sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A Canção dos Sentidos


Meu sussurro em seu ouvido,
seu alento no meu...
Melodias misteriosas, sortilégios
que enfeitiçam o coração e a carne,
acariciando a vaidade do corpo,
invocando os instintos
das cavernas do inconsciente.


Lábios de calor, em fome,
no devorar insaciável das línguas...
As salivas destilando vida.
Olhos que são todo olhar,
um dentro do outro,
no desespero de se tornarem
uma só chama queimando só,
incendiando intensamente o universo.


Na canção dos sentidos da paixão,
onde carne se choca com a carne,
as almas perdem a individualidade
fundindo-se uma na outra.
No venéreo fervilhar das umidades molhadas,
é despertado o fogo que deu origem a toda Criação!


                                                                                                                       Clareses

segunda-feira, 12 de agosto de 2019


O Beijo da Serpente



Entre névoas de sinistros contos,
a lua cheia escurece a minha sombra.
Caminhando na noite de humanos sonos,

eu e meu vulto flutuamos juntos pelas ruas
nas fronteiras da luz e da escuridão
ouvindo as esquerdas preces suas.

Pela janela aberta do seu quarto de profetisa,
esperando pelo noturno ser maldito,
sinto o seu perfume trazido pela brisa

acelerando a velocidade do meu sangue
em corredeiras de fogo
que ardem pelo meu corpo, antes tão exangue.

Não consigo entender o clamor da sua boca
a um vil eremita da noite
acorrentado a uma alma tão oca.

Eu tenho mil máscaras para devorar a luz,
estou em toda parte onde o desejo clama.
Meu anjo, acorde para o beijo que reluz

nas trevas do Pandemônio
que navegam pelo oceano dos seus seios,
fazendo melodia dos seus ais, sorvendo em matrimônio

a sua mais intensa respiração embriagada.
Quero beber o caro licor
da sua pele tão doce e aveludada,

gritando por êxtase delirantemente,
enquanto sorvo toda a sua esperança.
Acorde meu bem, para o beijo da serpente.

Eu sou dor e prazer sem fim.
E sangue e vida tirarei de ti.
A não ser que você mate a mim.

Mate-me! Mate-me com a adaga
do coração do seu coração.
Lute contra o fogo que te ataca...

Pois a compaixão de minha alma
é um frágil lume...
Como? Não precisa, de si mesma, ser salva?

Então me abrace,
eu sou a serpente que se devora.
Venha, venha! E se abrase!

Dai-me a Beleza para que eu a converta em trevas.
Sim, sim, dai-me tudo!
E sejamos como um só, escravos da serpente por todas as eras.


                                                                                                           Clareses


domingo, 11 de agosto de 2019

A Trilha

 


Quando nasci, um caminho sombrio

já havia sido traçado por mim.

Aquele que aspira à luz mais brilhante

encara sempre a sombra mais espessa.


Minha luz, minha escuridão,

rasgando o meu miserável coração.

Rodopiando no ciclone de minha alma,

sendo arrastado, lutando…

Em gritos e gargalhadas… Chorando.

A cada lágrima, um brilho de estrelas.

A cada lágrima, o sal de um mar de sangue.


E é nervos que estalam,

berros mudos, amordaçados.

Escuro vazio de um silêncio ensurdecedor!


Mas chega o amanhecer e tudo passa.

Me apego a alguma ilusão luminosa.

Entusiasmo e sorriso, um horizonte perfumado.

Sinto-me bem e depois passa.


Trilho uma trilha sobre um abismo nevoento.

Ousei às alturas ignorante dos meus pés de barro.

Subi, arquejei, olhei, olhei.

E caí profundamente.


Sou o louco da carta de uma cigana,

ignorando a besta devorando os meus pés,

só quis saber de olhar pra cima.

E caí, me estatelando no vazio,

no pleno vazio da mentira de estar vivo.



                                                     Clareses